30/01/2012
Qual dos dois você acha que representa a escola?
A escola é, talvez, a instituição
mais jurássica de todos os tempos (por que vivo repetindo isso?).
Embora ela tenha o compromisso de educar a geração atual para um
mundo futurista que nem nasceu ainda, e nem sabemos como será, ela
mesma ainda vive na pré-história em diversos sentidos e não tem o
menor desejo de “evoluir”, pelo menos o suficiente para chegar
perto dos tempos atuais. Mas antes de concordar com isso, pense bem,
caro leitor amigo: a escola não se encerra nos limites de seus
próprios muros, ela se estende por toda a sociedade, e você,
caríssimo leitor, também é responsável por essa escola jurássica
e suas idiossincrasias.
Enquanto escrevo esse artigo,
tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 2806/2011. Esse
projeto é uma “extensão” de um projeto anterior que proibia o
uso de telefones celulares em todo o país e, agora, “modernizado”,
o projeto prevê a proibição de qualquer aparelho eletrônico
portátil em todas as escolas e em todos os níveis de ensino, do
infantil ao superior.
No Estado de São Paulo, na cidade
do Rio de Janeiro, no Ceará e em Rondônia (e talvez também em
outros estados e municípios, pois as más ideias se espalham rápido)
já há leis específicas proibindo o uso de telefones celulares e
outros aparelhos eletrônicos pelos alunos.
Ao invés de entrar em uma polêmica
tola sobre “se devemos permitir ou proibir o uso de celulares,
games e outros brinquedinhos eletrônicos em sala de aula”, eu lhes
pergunto algo bastante simples e objetivo: em que momento algum
professor, alguma escola, algum pai de aluno ou algum governo
defendeu ou defenderá que os alunos devam ir à escola apenas para
jogar videogame, assistir vídeos no Youtube, bater papo no MSN ou
fotografar o professor tirando caca do nariz para depois publicar no
seu fotolog?
A mim, e espero que a você também,
parece evidente que a escola não é apropriada para esse tipo de
“diversão”, assim como não esperamos o mesmo comportamento em
uma missa ou em um enterro (olha, eu juro que tentei comparar com
outras situações, mas a escola está mais para missa e enterro do
que para festa de casamento).
Por outro lado, faça um esforço e
tente se lembrar de sua infância… Agora pense: se quando você era
criança e estava na escola você tivesse um telefone celular onde
pudesse jogar videogame, fazer filmes sacanas do professor ou dos
colegas, trocar mensagens e fofocas instantâneas, ouvir música,
etc., etc., será que você não o faria?
Eu não posso responder por você,
mas posso responder por mim mesmo. Eu faria sim, às vezes. E sei que
seria punido por fazê-lo (mas mesmo assim faria!). Hoje eu não faço
mais, mas hoje eu sou adulto e, como agravante, sou professor, tenho
sempre que dar exemplo de “bom comportamento” e, a bem da
verdade, de qualquer forma essas coisas já não me interessam mais.
Pois bem, o mundo mudou, a
tecnologia se espalhou por todas as partes, as possibilidades são
imensas mas, mas, mas… As crianças e adolescentes de hoje
continuam sendo crianças e adolescentes como nós mesmos fomos um
dia! A tecnologia só lhes fornece novos meios de fazerem suas
traquinagens, e eles as farão até que se tornem adultos e, talvez,
acabem como pessoas “xaropes” como eu e você.
Alguns adultos parecem que se
esqueceram que já foram crianças e agora não entendem mais nada
sobre a infância e a adolescência. Esses adultos acreditam que
publicando leis poderão mudar a estrutura neurológica, os hormônios
e a psicologia das crianças e dos adolescentes. Isso é tão
ridículo que parece traquinagem de adolescente que possui um
brinquedinho novo de “assinar leis”.
Fato: mais da metade das crianças
entre 7 e 9 anos de idade possui um telefone celular. Quase metade
dessas crianças não recebe nenhuma orientação de uso desse
brinquedinho tecnológico por parte de seus pais ou de seus
professores!
Pergunta: se crianças e
adolescentes possuem celulares (que ganham dos pais!) e não possuem
orientação alguma, nem da família nem da escola, sobre como
utilizá-los em diversos ambientes e situações e, além de tudo,
são crianças e adolescentes e não adultos xaropes, como se pode
esperar deles que não levem seus brinquedinhos à escola e, estando
lá, não brinquem com eles?
Eles são úteis aos alunos e aos professores
Em outro artigo publicado nesse
blog,
Uso
pedagógico do telefone móvel (Celular), eu já tratei de
diversas possibilidades de fazer um uso adequado desses aparelhinhos
em sala de aula, então agora só quero compartilhar algumas
experiências que talvez possam ser úteis para que professores
possam conviver melhor com esses “monstrinhos divertidos” ao
invés de apostarem em leis caducas que não serão cumpridas e
entrarão para a história como a lei de Jânio Quadros que proibia o
uso do biquíni nos concursos de
miss (pode rir agora, mas à
época também havia polêmica e defensores da proibição).
Você não precisa de novas leis
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação) estabelece os direitos e deveres de todos os agentes
envolvidos no processo Educacional. Estados e municípios também
possuem legislações próprias garantindo direitos e deveres desses
agentes.
O ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente) reforça a garantia à todos os alunos do direito à
aprendizagem e, portanto, confere aos professores o dever de garantir
esse direito em suas salas de aula.
Toda escola tem um regimento escolar
interno que já estabelece direitos e deveres para alunos e
professores.
Todo professor pode e deve
estabelecer um regimento de conduta em suas aulas (o que chamamos
vulgarmente de “combinados”) com os alunos.
Isto posto, fica claro que nenhum
aluno pode, à revelia de todos os “combinados”, regimentos e
leis, fazer o que bem entende na sala de aula, e isso inclui qualquer
atividade que coloque em risco sua própria aprendizagem ou a
aprendizagem dos seus colegas. Obviamente que aí se inclui qualquer
brincadeira ou distração que não faça parte das atividades
pedagógicas propostas pelo professor, quer seja ela feita com
“brinquedos eletrônicos”, quer seja feita com brinquedos não
eletrônicos (como jogar futebol dentro da sala, jogar baralho no
fundão, andar de skate, etc.).
O que é fundamental aqui é que o
professor esclareça seus alunos sobre seus direitos
e, consequentemente, deixe claro as regras a que
todos estarão submetidos para que se possa ter um ambiente saudável
de aprendizagem onde esses direitos sejam respeitados por todos.
Não é óbvio para os alunos que
eles têm que ter seu direito à aprendizagem garantido pelo
professor e que, por causa disso, é o professor que pode e deve
estabelecer quais usos são admitidos ou não para qualquer aparelho,
objeto ou material presente na sala de aula.
No caso específico dos telefones
celulares o professor deve deixar claro as situações em que esse
aparelho será útil e aquelas onde ele deverá permanecer desligado.
É evidente que nem sempre os alunos
seguirão as regras (Lembra-se? Eles são crianças e adolescentes e
não adultos xaropes!) e toda vez que algum deles fizer uma
transgressão ele deverá sofrer uma sanção proporcional
à sua transgressão. Aqui é fundamental ter bom-senso e entender
que ocorrerão várias transgressões, que será preciso ter
paciência e compreender com naturalidade a natureza dessas
transgressões e, por fim, que a autoridade do professor não pode
ser abandonada em momento algum, da mesma forma que não pode ser
transformada em autoritarismo. É preciso educar o
aluno para o bom uso do celular e não brigar com ele quando ocorre
um mau uso.
Minha experiência com o uso de
telefones celulares em classe
A quase totalidade dos meus alunos
possui telefones celulares e uma porcentagem considerável possui
smartphones.
Em minhas aulas os alunos podem e
devem trazer o telefone celular e usá-los dentro dos limites e
regras que são discutidos, explicados e acordados logo no início do
ano. Eu optei por permitir e estimular o uso pedagógico dos
telefones celulares nas minhas aulas pelos seguintes motivos:
A
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, para qual trabalho
como professor, não possui condições para prover a escola de
recursos materiais em quantidade suficiente para atender todos os
meus alunos e, em contrapartida, a quase totalidade deles dispõe
dos seguintes recursos próprios em seus telefones celulares:
calculadora;
agenda
eletrônica;
bloco
de anotações;
câmera
fotográfica digital;
filmadora
digital;
gravador
de áudio digital;
acesso
à internet;
dispositivo
digital de reprodução multimídia (sons, imagens, filmes e
animações);
Eu
tenho um compromisso com a qualidade do ensino oferecido aos meus
alunos que não me permite abrir mão de todos esses recursos
oferecidos pelos telefones celulares;
O
uso dos telefones celulares pelos meus alunos favorece sua
aprendizagem permitindo práticas, dinâmicas e atividades que
seriam inviáveis sem eles. Além disso, o uso dos celulares melhora
a produtividade da aula permitindo ganhos de tempo e qualidade da
aprendizagem;
Entendo que é parte do meu
ofício como professor orientar meus alunos quanto aos bons usos do
telefone celular de maneira a permitir-lhes que exercitem esse bom
uso em atividades escolares cotidianas para que, por extensão,
também o façam fora dos limites da escola (no seu trabalho, na sua
casa e em diferentes meios de convívio). E eu não poderia fazer
isso de forma efetiva sem que eles usassem os telefones celulares em
minhas aulas.
Meus alunos usam telefones
celulares regularmente para:
fazer
contas usando a calculadora;
agendar
tarefas e provas na agenda do celular;
fotografar
as minha lousas (eu sugiro esse método, ao invés da cópia da
lousa no caderno, porque são alunos do Ensino Médio, porque isso
garante maior fidelidade da informação, porque isso é uma
atividade sustentável que evita o uso de papel e porque o celular
permite armazenar as lousas do ano todo em parte insignificante de
sua memória). Eu mesmo fotografo minhas lousas para ter o registro
exato do que foi trabalhado em cada classe;
fotografar
materiais didáticos indisponíveis para toda a classe, como páginas
de um dado livro que a escola não dispõe para a classe toda;
registrar
por meio de filmes e imagens as atividades práticas no laboratório
ou fora da sala de aula;
desenvolver
atividades no laboratório ou fora da sala de aula usando recursos
de multimídia e outros disponíveis no celular (áudios/entrevistas,
vídeos, imagens, apresentações, calculadora, cronômetro, etc.)
pesquisar
conteúdos na internet (para os que têm smartphones);
usar como fonte de material de
consulta em “provas com consulta” (podendo usar o conteúdo da
memória do celular ou o obtido via internet ou redes sociais).
Meus alunos não usam o
telefone celular em classe para:
fazer
ou receber ligações na sala de aula (isso eles podem fazer quando
saem para ir ao banheiro);
jogar
videogame, assistir vídeos, ouvir música, participar de redes
sociais, navegar pela internet ou fazer qualquer outro uso que não
tenha sido explicitamente solicitado por mim como parte de alguma
atividade pedagógica;
produzir
qualquer tipo de material (áudio, imagem, vídeo, etc.) não
solicitado explicitamente por mim;
participar de redes sociais ou
manter comunicações com outras pessoas, exceto quando isso faz
parte de uma atividade e foi solicitado por mim.
Além disso:
Procuro
orientar meus alunos sobre o uso seguro dos celulares e da internet
de forma geral;
Discuto
com meus alunos questões envolvendo ética, direitos autorais e
violação dos direitos privados dos colegas;
Oriento-os a estabelecerem
contratos de uso dos celulares com todos os demais professores,
esclarecendo que cabe a cada professor determinar a forma como os
telefones celulares podem ou não ser usados em suas aulas.
O número de vezes que tenho que
intervir para garantir o uso correto dos celulares cai
progressivamente ao longo do ano nas classes dos primeiros colegiais
e é mínimo nas classes onde os alunos já me conhecem.
Nunca houve nenhum caso de mau uso
do celular onde as sanções precisassem passar do nível da
advertência verbal e discreta.
Os relatos de experiências de
professores com os quais tenho contato em projetos que participo, nas
redes sociais e em oficinas de formação onde atuo como formador dão
conta de resultados bem parecidos com os meus. Logo, não apenas a
“teoria” sobre o uso pedagógico do telefone celular, como também
a prática, têm mostrado que é possível, viável e recomendável
que ele seja usado cada vez mais em nossas aulas.
Finalmente, aos professores que
imaginam que proibir o uso do telefone celular por meio de leis, ou
da proibição do aluno levá-lo à escola, poderá ser um meio “mais
fácil” de lidar com o problema do seu mau uso, eu deixo aqui uma
pergunta bastante razoável: não seria mais “profissional” da
parte do professor educar ao invés de proibir?
Referências na internet:
-
Projeto
de Lei 2806/2011: Proíbe o uso de aparelhos eletrônicos
portáteis nas salas de aula dos estabelecimentos de educação
básica e superior.
-
(*) Para citar esse artigo (ABNT, NBR
6023):
ANTONIO, José Carlos. TICs, telefones celulares e
a escolassaura, Professor Digital, SBO, 30 jan.
2012. Disponível em:
<http://professordigital.wordpress.com/2012/01/30/tics-telefones-celulares-e-a-escolassaura/>.
Acesso em: 24/02/2012