por um mundo de paz

pensando bem, fabricantes de armas desejam o tempo todo um mundo inseguro. Fabricantes de remédios nos desejam doentes.

terça-feira, 6 de março de 2012

Protestos na Grécia

Grécia nos mostra como protestar contra um sistema falido

Manifestações gregas inspiram todos que sofrem com os privilégios dos bancos e dos
ricos
Por John Holloway

Eu não gosto de violência. Eu não acho que se ganha muito queimando bancos e estourando
janelas. Ainda assim sinto uma onda de prazer ao ver a reação em Atenas e outras cidades
gregas frente a aceitação do parlamento da Grécia às medidas impostas pela União Europeia.
E mais: se não tivesse havido uma explosão de raiva, eu teria afundado em um mar de
depressão.

Atentado à vida

A alegria é a alegria de ver aquelas cujas bochechas foram estapeadas milhares de vezes,
estapeando de volta. Como podemos pedir às pessoas que aceitem docilmente os ferozes
cortes nas condições de vida que as medidas de austeridade impõem? Queremos que elas
simplesmente concordem que o enorme potencial criativo de tantos jovens seja simplesmente
eliminado, seus talentos presos em uma vida de longa duração de desemprego? Tudo isso
apenas para que bancos sejam reembolsados, para que ricos fiquem mais ricos? Tudo isso
apenas para manter o sistema capitalista que há muito já passou seu prazo de validade, que
agora oferece ao mundo nada além de destruição? Se os gregos aceitassem docilmente as
medidas, significaria multiplicar depressão por depressão, a depressão de um sistema falido
agravado pela depressão da dignidade perdida.

Ecos em todo o mundo

A violência da reação na Grécia é um grito que ecoa no mundo. Até quando ficaremos
sentados parados assistindo o mundo ser dilacerado por esses bárbaros, os ricos, os bancos?
Até quando ficaremos vendo o aumento das injustiças, o desmantelamento dos serviços de
saúde, a educação ser reduzida a uma bobagem acrítica, os recursos hídricos do mundo
serem privatizados, comunidades serem dizimadas e a terra destruída em nome dos lucros de
empresas de mineração?
O ataque que é tão agudo na Grécia está acontecendo no mundo inteiro. Em todos os lugares
o dinheiro está submetendo a vida humana e não humana à sua lógica, a lógica do lucro. Isso
não é novidade, mas a intensidade e a amplitude do ataque são novos, e é nova também a
consciência geral de que a dinâmica atual é a dinâmica da morte, que provavelmente estamos
todos caminhando em direção à aniquilação da vida humana na terra. Quando os especialistas
explicam as últimas negociações entre os governos sobre o futuro da zona do euro, eles se
esquecem de mencionar que o que está sendo negociado tão alegremente é o futuro da
humanidade.

Somos todos gregos

Somos todos gregos. Somos todos sujeitos cuja subjetividade está simplesmente sendo
achatada pelo rolo compressor de uma história determinada pelo movimento dos mercados
financeiros. Milhões de italianos protestaram incansavelmente contra Silvio Berlusconi mas
quem o derrubou foi o mercado financeiro. O mesmo na Grécia: manifestação após
manifestação contra George Papandreou, mas no fim foi o mercado financeiro que o demitiu.
Em ambos os casos, leais servos do capital foram apontados para tomar o lugar dos políticos
derrubados, sem a menor pretensão de uma consulta popular. Essa história nem é feita pelos
ricos e poderosos, apesar de eles se beneficiarem com ela: é a história feita pela dinâmica que
ninguém controla, a dinâmica que está destruindo o mundo. Se a deixarmos.

Atenas em chamas

As chamas em Atenas são chamas de raiva, e regozijamo-nos nelas. E, no entanto, a raiva é
perigosa. Se ela é personalizada ou virada contra um grupo particular de pessoas (os alemães,
nesse caso), ela pode facilmente se tornar puramente destrutiva. Não é por acaso que o
primeiro ministro a renunciar em protesto contra a última rodada de medidas de austeridade na
Grécia era o líder do partido de extrema direita, Laos. Raiva pode facilmente se tornar
nacionalista, até fascista; a raiva que nada faz para melhorar o mundo. É importante, portanto,
que esteja claro que nossa raiva não é contra os alemães, nem contra Angela Merkel, ou David
Cameron ou Nicolas Sarkozy. Esses políticos são apenas arrogantes e deploráveis símbolos
do objeto real de nossa raiva – a regra do dinheiro, a sujeição de toda a vida à lógica do lucro.

Amor e raiva

Amor e raiva, raiva e amor. O amor tem sido um tema importante nas lutas que têm redefinido
o sentido da política desde o último ano, um tema constante dos movimentos dos indignados,
um sentimento profundo até mesmo no coração dos confrontos violentos em muitas partes do
mundo. O amor anda de mãos dadas com a raiva, a raiva de “como eles se atrevem a tomar
nossas vidas de nós, como eles se atrevem a nos tratar como objetos?”. A raiva de um mundo
diferente forçando seu caminho através da obscenidade do mundo que nos rodeia. Talvez.
Esse forçar o caminho de um mundo diferente não é só questão de raiva, ainda que a raivaseja parte disso. Ela necessariamente envolve a paciente construção de um modo diferente de
fazer as coisas, a criação de novas formas de coesão social e apoio mútuo. Por trás do
espetáculo dos bancos queimados na Grécia encontra-se um processo mais profundo, um
movimento mais silencioso das pessoas se recusando a pagar tarifa de ônibus, contas de luz,
dívidas bancárias; um movimento nascido da necessidade e da convicção, das pessoas
organizando suas vidas de outra forma, criando comunidades de apoio mútuo e redes de
alimentos, ocupando prédios e terras vazias, criando hortas comunitárias, voltando ao campo,
virando suas costas para os políticos (que estão agora com medo de saírem às ruas) e criando
formas diretas de democracia e tomadas de decisões sociais. Ainda insuficiente talvez, ainda
experimental, mas crucial.
Por trás das espetaculares chamas, é essa busca pela criação de outro jeito de viver que vai
determinar o futuro da Grécia e do mundo.
Somos todos gregos.
John Holloway é irlandês, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Edimburgo
(Escócia) e diplomado em Altos Estudos pelo College D’Europe. Vive desde 1993 em Puebla,
no México, onde entrou em contato com o movimento zapatista, que inspira suas teorias. É
autor, entre outros, do livro “Mudar o mundo sem tomar o poder”, pela Boitempo Editorial.
*Artigo publicado originalmente no The Guardian e enviado pelo autor para publicação na
Caros Amigos
Tradução de Gabriela Moncau